Caixa de lembranças - Parte I



Não era tipo dela. Não! Não era mesmo. Mas lá estava debruçada em uma almofadinha em formato de estrela que ele dera de presente, derrubando lágrimas que nunca caíram antes. O que estava acontecendo? Estaria fraca?

Limpou as lágrimas que encharcaram a tal almofadinha e lavou o rosto vermelho com água fria. Respirou fundo e se olhou no espelho, com profundo arrependimento. Nunca se vira tão desarrumada, tão propensa ao desespero e com tanta sede. Deve ter chorado tanto que desidratou todo seu corpo.

Tratou de prender os cabelos embaraçados e fechar os olhos por alguns segundos. Suspirou. Foi para a cama, sentou-se um pouco em meio à bagunça. Olhou para tudo aquilo e atirou ao chão, deitando-se sem se importar. A casa estava vazia. De novo.

Ligou o computador. Deixou a playlist tocar. A playlist dele. Era saudade? Era pânico de ficar sozinha? O que era aquilo afinal? Ela não soube decifrar. Quis escrever para tentar tirar toda a angústia de dentro de si... Mas as mãos trêmulas não permitiram que segurasse o lápis entre os dedos. Resolveu deixar a vontade de lado.

Abriu as janelas, sentiu um vento estranho... Típico de chuva, com aquele cheiro tão característico que ela adorava. “Cheiro de chuva”... Lembrou que dizia isso a ele quando pensava estar prevendo a chegada da chuva. Ele dava um sorriso largo que deixava claro que a achava boba pelo que dizia, mas também era evidente que a amava profundamente. O brilho nos olhos não enganaria ninguém.

Enquanto procurava algum livro para se distrair, deixou uma caixa que estava ali cair. Espalhou todos os papéis e outras coisas que se acumularam durante sabe-se lá quanto tempo. Ela mal se lembrava daquilo e tratou de fuçar. Achou pétalas que logo a levaram para uma rosa seca, recebida no primeiro encontro.
Sentiu algo estranho dentro dela. E, novamente, não soube distinguir o que era.


Fuçou mais um pouco e encontrou um guardanapo não usado... “Você está linda hoje”, dizia um recado improvisado escrito naquele pedaço de lembrança que guardou daquela noite. Os garranchos foram feitos no dia em que ele a pediu em namoro... Ela bem se recordava. 

Viu cartas... Com palavras tão antigas que mal podia acreditar que eram ditas pelo mesmo homem... Aquele que ela não queria nem mencionar o nome naquele dia.

Como poderia ter mudado tanto? Claro que ela sabia que não tinha sido do dia para a noite. Foram os mínimos detalhes que ela decidiu ignorar, deixou de comentar... Relevou principalmente aqueles que tanto a incomodavam. E assim, fez a relação esfriar. Ela se chateava com menos do que antes e ele parecia estar preocupado demais para prestar atenção nos “probleminhas” dela. 

O tempo foi passando... Passou até demais. Quando perceberam, nem um beijinho para se cumprimentarem existia. Não poderia nem dizer que eram só amigos, pois, também não havia conversa. Mais do que nunca, teve certeza: o amor estava apagado. Os dois eram pontos cinzas em meio à multidão.

Quando viu todas aquelas evidências daquele início tão bonito, perguntou-se como foi que se distanciaram tanto. Como um amor tão carinhoso havia se transformado naquele gelo intenso?

Percebeu-se encharcada de novo. Lágrimas brotavam como água da fonte. Soluçava... Cada vez mais. Desistiu da música, do papel para escrever... Quis deitar e dormir, mas não conseguiu.

Quando percebeu, estava ali, segurando o celular indicando o nome dele na lista de contatos.
Apertou o aparelho contra o peito, respirou fundo e olhou novamente para a caixa que espalhara tudo no chão. Lembranças. Tantas coisas boas, como pôde se deixar levar com bobeiras a ponto de deixar o amor se apagar?

Sentiu o coração bater mais forte, com uma intensidade que há muito não sentia. As mãos tremiam mais. O rosto estava quente feito fogo.

Ela não soube bem pelo o quê decidiu agir, mas apertou o botão que logo completou a ligação. Os toques contínuos eram como batidas de martelo em seu ouvido. O coração acelerava ainda mais com o desespero de ele não atendê-la.

Caixa postal.

Estava tarde. Talvez teria sido por isso. Não soube bem se fez a coisa certa... Mas deixou um recado. “Ligue-me quando puder”.

Leia também a parte II

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