Daqueles dias

“Depois não reclame”, diz ela em tom de alerta.

O dia não começou bem aquele dia. Foi uma briga feia logo pela manhã. Ele saiu batendo a porta, dando arranque no carro. Ela, ainda foi tomar um banho para esfriar a cabeça e tentar não pensar naquela discussão. Mas, como era de se esperar, não conseguiu. Ficou imitando o jeito que ele dizia todas as absurdas desculpas para não mudar.

Para ela, era tudo tão óbvio. Porque ele tinha que ser tão cabeça dura? “Ele que faz tudo errado e a culpa ainda é minha. Se dei algum conselho, foi ele quem pediu”, pensou alto, ficando com mais raiva ainda.

Eles quase nunca discutiam. Era raro, mas quando acontecia, era dia de ele dormir fora de casa. Típico dele, não aguentava ouvir uma única opinião que se opusesse ao que ele pensava. E era isso que mais a irritava: essa prepotência de achar que só ele estava certo.

Com o fato, ela começou a se lembrar de todas as outras vezes em que isso aconteceu. Por bobagens, meras bobagens. Porque só ela tinha de entendê-lo? O pedido de desculpa sempre vinha dela. A raiva foi aumentando, como se todos os acontecimentos tivessem sido naquele único dia.

Estava na hora de ir trabalhar. Quando foi tirar o carro, quase bateu por não ter visto o pálio preto cruzando a esquina.
Parou de forma brusca e o carro morreu. O coração disparou com o susto, mas por sorte, nem um arranhão. Fechou o portão e partiu.

Enquanto dirigia, sentia o coração bater forte e as mãos tremerem de leve. Lembrou-se de que ele era o único que conseguia acalmá-la. Por um segundo pegou o celular, fez que ia discar e se distraiu... Estava numa velocidade razoável. Quis acionar o freio, mas errou o pedal. O carro dela entrou com tudo embaixo do caminhão. Todos os outros motoristas ao redor entraram em pânico. Tinha sido tudo muito rápido.
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O telefone tocou. Era o dela. Ele tinha acabado de receber a notícia e não acreditava que aquilo tinha realmente acontecido. Para tirar a dúvida tentou ligar inúmeras e inúmeras vezes. Enquanto as lágrimas não se seguravam, ele se esforçava muito para não soluçar. A última coisa que fizera com ela fora discutir e bater a porta. Naquele momento, só um único sentimento o cutucava como faca... Arrependimento.

Depois disso, teve que encarar a casa vazia, com o leve perfume dela e que ele sabia que já não sentiria mais todas as manhãs. A cama fria e vazia não o deixou dormir. Ficou semanas enfurnado em casa, sem atender os telefonemas de familiares e amigos preocupados e muito menos a porta, em que a campainha tocava insistentemente durante todo o dia.

A vida acabou para ele. O pedido de perdão ela não pode ouvir. E agora, ele só pensava em como ela estava certa, o tempo todo! E o que mais o atormentava é que não devia ter brigado por tão pouco e que, se não fosse tão cabeça dura poderia ter sido diferente...

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