Caixa de lembranças - Parte II [Última]
[Para entender este texto, leia a parte I: Caixa de lembranças]
Acordou na manhã seguinte com a sensação de ter tido um pesadelo. Estava cansada e o corpo pesado. Em seu rosto, a marca da última lágrima que deixara cair ao se deitar na noite anterior. Com certa ansiedade pegou o celular, na esperança de encontrar um envelopinho ou qualquer coisa na tela que indicasse um novo recado.
Será que ele não reconhecia mais a sua voz? Ou teria
simplesmente apagado seu número da lista de contatos? Inúmeras hipóteses se
passavam em sua mente, sem que pudesse controlar. Percebeu uma leve taquicardia
que a tirou do controle.
Por sorte, estava de férias do trabalho. Não tinha que se
preocupar com nada, mas naquele momento o que mais queria era ocupar a cabeça e
o trabalho seria a desculpa perfeita. A cada minuto que passava se sentia mais
estúpida pela atitude que tomara na noite anterior. Desesperou-se tanto que
acendeu um cigarro... Daqueles que não acendia há meses, quando decidiu que
pararia.
Baixinho, reparou em uma melodia que não lhe era
estranha. Prestou atenção e achou que estava ouvindo coisas. Mas não. Qual era
a chance de uma música tão antiga e a preferida dele estar tocando a metros de
sua casa? Estava ficando louca com tantos pensamentos e sentimentos vindos à
tona. "Estou fora de mim", pensou.
“Um brinde ao nosso amor eterno”. Lembrou-se nitidamente de
um jantar em que ele celebrava aquele amor tão intenso e inexplicável. Um ano
de namoro. Por um momento, recordou como era se sentir completamente apaixonada.
Era como nos velhos tempos. A diferença é que agora ela estava sozinha. Várias
outras lembranças ocuparam sua cabeça o dia todo. A noite chegara e o celular
intacto.
Com certa melancolia, foi se deitar. Mais um dia se
passou. Ela, boba, pensando nele enquanto ele provavelmente se divertia com
outra mulher. Esse último pensamento a fez desabar. Era como se ela estivesse
se despedaçando em milhares de pedaços... E todos eles ardiam de dor.
Sem mais esperanças, desgrudou do celular e foi respirar
ar puro. Saiu de casa sem sua bolsa, sem nada. Caminhou até o centro da cidade,
sentou no banco da praça onde ficou observando o movimento. Pessoas riam com
gosto, crianças corriam e algumas brincavam com os peixes do laguinho. Viu
casais, grupo de amigos e cachorros deitados aproveitando o sol.
Por um momento achou que era devaneio, ilusão, coisa de
sua cabeça. Coçou os olhos, como se aquele gesto fosse fazê-la enxergar melhor.
Do outro lado da praça viu uma forma conhecida. Sentado em outro banco, ali
estava ele. Cabeça baixa e pensativo demais para se dar conta de qualquer
movimento à sua volta. Por alguns minutos, ela ficara observando-o totalmente paralisada
sem acreditar em tanta coincidência.
Certamente ele não parecia feliz. Prestou um pouco mais de
atenção e percebeu que ele segurava algo. Sem piscar, ele olhava o celular como
se o analisasse profundamente. Sem pensar muito, ela se levantou... Robotizada.
Caminhou até ele... Parou bem perto, de forma que tapou o sol. Parecia que o
mundo inteiro havia parado e todos observavam cada passo dos dois.
Ele se virou para ela. Os olhos opacos se encheram de
brilho, como uma criança em frente a um prato cheio de doces. Por segundos, ficaram
parados, se entreolhando. Seria um sonho? Ele realmente estaria ali, parado,
olhando-a daquele jeito?
De repente, ela se deu conta de onde estava e o que
fazia. Ficou sem graça, estremeceu e ele percebeu. Ela fez que ia sair dali...
Ele não deixou. Abraçou-a com um carinho sem igual, como se quisesse protegê-la
e sussurrou:
“Estava criando coragem para te ligar”.
Uma lágrima marcava o rosto dela novamente. Mas dessa vez
era de alegria.
Leia também:
O Feriado;
Das ruas
Cotidiano mutilado
Seu mundo só
Leia também:
O Feriado;
Das ruas
Cotidiano mutilado
Seu mundo só
Comentários
Postar um comentário
Deixe o seu comentário! =)