O velho do shopping
No meu tempo, tudo era diferente. Sempre comento isso com
quem cruza o meu caminho. Não acho que elas gostem que um velho como eu fique
tirando-lhes o tempo com conversas tolas. Só que assim como toda pessoa de
experiência, tenho muitas histórias, mas ninguém para contar.
Antigamente, a consideração com as pessoas era algo normal, nada era tão mesquinho e egoísta assim. Às vezes, me esqueço de me olhar no
espelho, me esqueço também que o tempo passou e as coisas mudaram. Hoje, sou um
“jovem rapaz” de 79 anos. Mas tenho boa saúde, se me permite dizer.
Meus pais me deixaram muito cedo. Já faz tanto tempo que
parece que foi em outra vida. Eu tinha só 10 anos quando um terrível
acidente os levou daqui. Depois disso, fui morar com meus tios e uns primos.
Quis sair cedo de lá e tomar meu rumo. Acreditava que poderia ter algo melhor
do que ficando ali com eles.
Porém, a vida não é como nos livros. E isso, eu descobri
na marra. Claro que tive muitas conquistas. Casei e tive filhos. Porém, tudo me
foi tirado. Minha mulher me deixou há pouco tempo. E meus filhos... Mal se
lembram do velho pai.
Passo as minhas tardes no único shopping da cidade. Gosto
de tomar um café sempre na mesma lanchonete e observar o movimento. A juventude
anda achando que é adulta. E não é. Eu tive
uma infância árdua. Naquele tempo era tudo de terra e os tratores eram bem
comuns de serem encontrados. Eu me lembro que gostava de andar em um desses que
havia lá no sítio do meu pai enquanto o ajudava com as coisas da roça. Passado
algum tempo, eu nunca mais quis. Talvez por achar que era velho demais para ser
visto na traseira de um deles.
Lembro-me dos olhos tristes de meu pai quando disse que
não queria mais acompanhá-lo e que aquela máquina estava velha e maltratada.
Lembro também de que na época não me comoveu de forma alguma vê-lo tão decepcionado
comigo. Hoje me pergunto por que fiz aquilo com ele, que me amava tanto. No fim, ele se foi naquele acidente, sem que eu pudesse lhe dizer que tinha me
arrependido do que havia feito. Até hoje penso nisso.
Uso um chapéu. E gosto muito dele! Ele vem lá de trás...
É de família, sabe? Tenho que confessar que sempre tive vergonha... Mas hoje
não tenho mais! Esse chapéu é o orgulho da minha origem. E se as pessoas me
olham estranho, eu dou um sorriso. Todos gostam de um velho simpático, não? Ou
pelo menos acham graça, pensando que estou caducando.
Mas se quer saber, nem sempre fui assim. Deve ser por isso que meus filhos nem se lembram de que eu existo. Acho que fui um pouco duro com eles... Só que esse era o único jeito que eu sabia para lhes dizer que a vida não era fácil. E, realmente, acho que fracassei.
Mas se quer saber, nem sempre fui assim. Deve ser por isso que meus filhos nem se lembram de que eu existo. Acho que fui um pouco duro com eles... Só que esse era o único jeito que eu sabia para lhes dizer que a vida não era fácil. E, realmente, acho que fracassei.
E os dias continuam a passar. Pego a minha aposentadoria.
Pego o meu chapéu e saio todos os dias para tomar café na mesma
lanchonete do shopping da cidade. Converso com jovens estranhos que se sentam ao meu lado
e lhes conto a minha história. Talvez seja um modo que encontrei para mostrar
tudo que vivi, coisa que nunca tive com meus próprios filhos.
Mas dessa minha rotina, tenho um segredo a confessar. Uma
vez, estava lá, nessa mesma lanchonete vendo a vida passar. Vi um dos meus
filhos... O meu garoto, com um jovem mocinho ao seu lado. Meu neto! Lembro-me
da frieza e distância com que meu filho se direcionava a mim. Ainda assim, se
dispôs a me acompanhar em minha mesa tão vazia. Foi a última vez que o vi. Isso
já tem alguns anos. O jovem mocinho deve ser agora um jovem rapaz.
De certa forma, vejo no shopping uma esperança de reencontrá-lo.
Dizer-lhe somente que queria ensiná-los o que meu pai não teve oportunidade de
ensinar a mim. Dar-lhe um abraço sabe? Desses que eu nunca dei em nenhum deles
para demonstrar-lhes carinho...
É... Um dia... Quem sabe...
Comentários
Postar um comentário
Deixe o seu comentário! =)